Estaria com 70 anos, talvez a beira da morte, mas a teria visto

 Teria 70 anos, talvez a beira da morte, mas teria a visto.

 
 Hoje eu acordei completamente apaixonada.
 
 Puts!
 
 Digo que é impossível que este texto fique pequenininho. Tenho quase 25 anos (não me envergonho dos meus dias), mas queria ter 70 anos hoje. Queria sim. Como queria!
 
 Com o coração apaixonado, confesso que queria estar viva ali pelos anos 70 e com a idade que estou hoje, com a maturidade que tenho hoje, com o coração que tenho hoje, só para ver ela cantar. Ela dançar. Ela sorrir. Ela chorar. Ela sambar. E como ela sambava bonito!
 
 Eu queria ver ela surtar de ciúmes, o arranhar todo e feito louca se vingar, o humilhar, tentando mostrar que ela ainda ama-o, que ela pelo avesso ainda o adora. Queria vê-la pequenininha, tão somente ela, pequenininha se deslizar atrás da porta, e sentadinha ali sofrer. Sofrer baixinho. Como ela sofria bonito!
 
 Eu queria ver ela ser sexy, ficar doida. E ser submissa. E venerar os braços dele se cruzarem sobre as suas costas. Ver ela ficar louca, exatamente sete vezes só numa canção, que toda mulher vive, ou deveria viver, ao menos uma vez na vida. Louca só de andar lado a lado dele, escutar o riso alegre dele que só de existir traz tanta alegria. Vê-la ficar louca ali escutando as coisas lindas que ele começava a dizer. Ficar louquinha quando ele pedia que ela apagasse a luz e a sua pele acendia, brilhava, era escrita em braile pelos pêlos aguçados com o toque das mãos do esperado. Ver ela tão “louca da silva” quando os sons dela e dele enchiam o espaço vazio na noite que passava. Ele a abraçava e ela ficava louca mais uma vez. Como ela era uma louca de um jeito bonito!
 
 Queria ver aquela “pequetuxa” tão linda ser safadinha. Capetinha em sua fragilidade. Ah! Ela ser tatuagem nele. Queria ver ela dizer que queria ser escrava dele, pedir a ele que fosse a marca risonha e corrosiva. Exagerada em ser até a marca a frio, a ferro e fogo e em carne viva dele. Queria ter a visão dela a ser bailarina. A vê-la brincar no corpo de seu amado. A vê-la ser pegada, esfregada, negada e não lavada por ele. E fechar a noite tendo a visão de vê-la dormir, repousar frouxa, murcha, farta, morta de cansaço, nos músculos exaustos do braço dele. Como ela tinha um lado safado bonito!
 
 Queria vê-la em toda a sua maturidade! Maturidade que assustava a muitos. Como um ser tão pequenininho podia ser tão grande? Que força estranha aquela mulher possuía! Ela sabia que viver era melhor do que sonhar. Sabia também que qualquer canto era menor do que qualquer pessoa. Ela era tão certa de suas atitudes que mediante a tudo que sofreu ainda assim assumia que tinha uma nova vida ali na frente e que sentia tudo na ferida viva de seu coração. Ela sofreu sim. Lutou e se doou para um país melhor. Para um futuro melhor. Para dias melhores. Ela se entristeceu em perceber que apesar de ter feito tudo o que fez ainda era como os seus pais. Que seus ídolos ainda eram os mesmos e que as aparências não enganam não. Descobriu de um jeito todo autoritário que eles amavam o passado e que o novo sempre vem. Ela soube que suas ideias de uma nova juventude eram deles, que estavam em casa guardados por Deus. Ela ainda vive como os seus pais. Assim como nós. Ainda somos os mesmos. Como ela era madura de um jeito bonito!
 
 Aquele cabelo curto dela não escondia nada e nem ao menos a sua fé. Ela toda bagunçada, como diriam as más línguas, sim possuía fé. Tamanha era a sua fé em Deus. Ela era amiga de Deus. Só os amigos falam tudo o que pensam de seus amigos. E ela era assim. Tinha amizade com Deus. Entrava no seu jardim secreto e O convidava. Ficavam a sós. Apagavam a luz. Ficavam em silêncio. Ela encontrava a paz. Encontrava a humildade de folgar os nós dos sapatos, da gravata, dos desejos, dos receios. Esquecia do tempo ali. Ficava de mãos vazias. De alma e corpo nus. Quando queria falar com Deus, tinha que aceitar a dor, ela fazia isso com sua maestria de sempre, e hoje a gente se engana tanto em julgar-se feliz. Ela sofria! Com sofreu. Ela comeu o pão que o diabo amassou. Virou o cão. Lambeu o chão de palácios e castelos suntuosos de seu sonho. E tristonha, apesar de todo mal ela se achava sempre tentando alegrar o seu coração. Ela sabia que a tristeza a aproximava de Deus. Ela queria falar com Deus. E se aventurava em subir aos céus, sem cordas para segurar. Ela era atrevida! Um atrevimento tão, tão, tão capaz de fazer-me perder o ar! Ela disse adeus, deu as costas, caminhou decidida por toda a estrada que ao findar achou que deu em nada, nada, nada, nada, nada do que pensava encontrar. Como ela quis falar com Deus. Acho que cantava para Ele. Ainda canta! E como ela canta e encanta bonito!
 
 Ela era, é Elis Regina a minha pequena grande mulher. Ela é a responsável pelo meu despertar apaixonado. A pequetuxa morreu sem me deixar a chance de ver ao vivo tudo isso que só ela soube cantar e deixar um puto desejo de viver. Elis sim soube viver. Elis deixou-me de herança uma vontade louca para viver. Viver mesmo! Sem esse “mimimi” que vejo por aí. Ela deixou aquele desejo de samba. Aquele sorrisão estampado no rosto mesmo com as chagas no coração. Ela deixou a certeza de que eu posso ser mulher mesmo! E que eu posso ser de verdade. Elis deixou isso de presente! Ela era de verdade. Com seu cabelo curto, com suas curvas naturais e seus seios pequenos ela era tão fascinantemente linda e sexy. E roubando uma frase da minha amiga Kellinha aqui, a mulher era tão foda que deixou sua filha para encartar-nos nessa geração com o seu DNA escancarado em cada nota entoada por Maria Rita. Elis me deu de presente também a personalidade forte. Elis era o que era. Elis era música. E não diferente e de um jeito bem pequenininha me julgo poesia. Elis valeu! Por me ensinar ser mulher.
 
 E para encerrar uma carta apaixonada deixo ela dizer...
 
 "Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina do Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo".
 
*** Elis Regina
 
 Eu queria viver e morrer te conhecendo e te dar um beijo de muito obrigado na testa. Quem sabe um dia o que sinto por você não vire livro, viu o tamanho do texto que a ti dedico?